'O colega do lado'



Gramamos a família porque a hereditariedade nos impõe, gramamos o marido (ou a mulher) porque o escolhemos de livre vontade, mas gramamos os colegas de trabalho porque nos calham na rifa e temos de levar com eles em cima, a bem ou a mal, na melhor das hipóteses, oito horas por dia. Ou seja: a família, quando muito, aos domingos e feriados; o marido e os filhos, duas, três horas por dia, no máximo (metade das quais a ver televisão ou a partilhar tarefas domésticas); e os outros, para os quais não fomos ouvidos nem achados, dispõem de mais tempo e de mais espaço do que toda a nossa vida somada.

É com eles que rimos, choramos, que nos irritamos, que amuamos, que lixamos ou somos lixados, que vamos à bica e às compras, é a eles que avaliamos, que ajudamos, são eles os nossos carrascos e cúmplices, os nossos amigos ou, pior, os nossos principais inimigos.

É no trabalho, acho eu, que revelamos as nossas grandes capacidades e virtudes, mas também, e como há tempo para tudo, o pior que o ser humano tem: a inveja, o rancor, a gula (roubo todas as caixas de chocolates onde os meus olhos vão parar), avaidade, a intriga, o orgulho, a luxúria (enfim, todos sabem como e porquê.'Ai, você hoje está linda...', 'Acha dr?', 'Não acho, tenho a certeza,brilha como a lua).

O ambiente de trabalho é assim, muitas vezes, uma impiedosa arena do circo romano onde se mata quem é fraco, sobrevive quem é forte. É esta a tragédiada questão. Competitividade e matança são armas letais de significado idêntico - desafie-se o poder! Mas como perder ninguém quer, ligamos acompetição à ambição (a longo prazo) e à ganância (a curto prazo), tudo emcircuito fechado, para que a via-sacra da matança seja forte demais e excitante demais para a conseguirmos abafar. (...)Há sempre um gajo porreiro em que nós escudamos e que, de facto, não nosquer tramar às primeiras; um gajo que tem dias e que ora amanteiga paradireita, ora amanteiga para a esquerda - é o gajo que quando a coisa correbem foi ele próprio que a fez (é 'muita bom'), quando corre mal, fomos nós, pobres inexperientes e ele até se fartou de nos avisar, infelizmente não acreditámos no seu teatro.

Adoro a tribo dos manteigueiros frenéticos: aqueles que só saem depois do chefe nem que fiquem a jogar paciências no computador, que nos desfazem em strogonof pelas costas, que controlam as nossas entradas e saídas de cena, bichanam com os seus superiores e ajustam contas com as secretárias e o pessoal, a quem com tanta alma chamam 'menor', baralhando sem pudor humilhação com humildade. Prefiro o folclore dos que gritam como ovelha a ser degolada mas que depois se redimem ao acrescentarem uns parágrafos triunfais na 'porra' do dossiê.

Nós os portugueses adoramos reunir. Podemos não fazer a ponta de um corno,mas reunir tem de ser. Basta reunir e já está! Não é nunca o ponto de partida, é sempre o ponto de chegada. E antes de reunir gostam de planear a estratégia para tramar o parceiro. Pode não haver estratégia para mais nada,mas para tramar o colega do lado aqui vai disto. Agressividade quanto baste é a metodologia (odeio esta palavra) para chegar ao poder. Todos conhecem a cartilha, a cru ou disfarçada de fada boa.

Em suma, os portugueses acham que para serem melhores têm de arranjar alguém para mau da fita, é a teoria dos vasos comunicantes em todo o seu esplendor.É com 'vasos' destes - que à partida não são nem amigos, nem filhos, nem marido, nem sequer os escolhemos num menu - que temos de partilhar o cheiro,a voz, e o génio; das ramelas, à barba por fazer; das malhas na meia aorímel esborratado, todas as horas, todos os dias, todos os anos.

É tudo uma questão de 'ambiente' no trabalho!

por Maria João Lopo de Carvalho

9 comentários:

TeTe disse...

Excelente texto,concordo 100%.
Bom fim fim de semana.
Beijinhos
Teresa

A.Teixeira disse...

Dia chato lá no trabalho, Clara?

Anónimo disse...

De facto, convivemos mais com os colegas de trabalho do que com o resto do mundo.

Lydia disse...

olá linda foi fixe dar á lingua ctg ontem não foi ? é isso fez bem ás 2 pelos vistos,é isso td ke dizes no teu texto,só tens de ter força e continuar de cabeça erguida como td tão bem sabes fazer,bjs grandes bom fim de semana
nenuca

Alien David Sousa disse...

Clara, confesso que não morro de amores pela senhora que escreveu estes texto, mas gostei do que ela aqui escreveu. Não sou radical, lá porque não apreciamos a escrita de alguém, não quer dizer que essa pessoa não venha a escrever algo que gostemos.

"O ambiente de trabalho é assim, muitas vezes, uma impiedosa arena do circo romano onde se mata quem é fraco, sobrevive quem é forte"

Esta frase para mim dis tudo. Ela quase que não precisava de ter escrito mais nada.

Beijinhos

Carla disse...

Bem, confesso que Maria João Lopo de Carvalho não é, propriamente, alguém que me dê prazer ler. No entanto, há que convir que neste texto expõe verdades "absolutas". O aspecto social do ser humano tem, de facto, destas coisas, partilhar tempo e às vezes deitar fora tempo de qualidade com quem não o merece.

clara branco disse...

Tete,
Obrigado e bom início de semana! Beijos!

A.Teixeira,
Talvez seja o culminar de muitos anos, passamos a maior parte do tempo juntos, mas na verdade não nos conhecemos verdadeiramente, e um nicho pequeno sujeito a uma grande pressão, tem necessariamente consequências. Estados de espírito...
Beijos!

Sofia,
Sem dúvida, e é pena não se investir mais, a nível pessoal e profissional. Beijo grande

Lídia,
Gostei muito de falar contigo, foi como que uma lufada de ar fresco! Beijocas

Alien,
Tens toda a razão! A senhora também não consta das minhas leituras, mas que se adequa, adequa, como uma luva. Beijos!

Carla,
Obrigado pelo comentário, e se bem que tens razão, não se pode escolher, há que coexistir, o que deveria ser uma relação saudável com qualidade, e profissional, quando sujeita a uma pressão externa, deixar de o ser. Acho que por vezes somos muito pessoais, e não o deveríamos. Mas isto sou só eu (como diz a Alien nos seus posts...) beijos!

Vampiria disse...

Podemos encontrar amigos no local de trabalho? Será? Muitas vezes me coloco esta questao ate porque ja trabalhei em varias empresas, mas... é sempre um tiro no escuro, como em tudo relacionado com relaçoes humanas!... abraço

clara branco disse...

Vampiria, acho que é possível encontrar amigos no local de trabalho, não somos uma ilha, não vivemos isolados, mas há que separar as águas, o lado emocional e o profissional, e então, tudo é possível. Posso reconhecer uma pessoa profissionalmente, e pessoalmente não encaixarmos, e pelo contrário, posso gostar muito de alguém como amigo, mas reconhecer que não é bom profissional. É mesmo muito difícil ter amigos no trabalho, amigos verdadeiros, porque coisas tão simples como palavras podem separar amigos, mas se formos a ver bem, fora do trabalho tal também acontece. É difícil gerir, mas não é impossível. Ninguém é perfeito...e há que aceitar isso. Se calhar não conseguimos é ser amigos de todos! ;-)
um beijo!